Neurose Obsessiva Feminina e Psicanálise

Com o advindo do capitalismo vieram novos papéis da mulher no mundo atual enquanto força de trabalho e sustento da família.

NEUROSE FEMININA

Ellen Andreuccetti

9/3/20239 min read

Neurose Obsessiva Feminina e Psicanálise

A fim de refletir sobre a neurose obsessiva feminina selecionei dois artigos e um livro para trazer à tona o novo papel social da mulher atual e sua economia no desejo. Neste sentido, será abordado a questão do diagnóstico psicoterapêutico, suas dificuldades e dúvidas sobre o início da análise. Dor (1991, p.13) afirma que num primeiro momento não pode se apoiar em uma identificação diagnóstica:

Para Freud um caso resulta em importantes e inúmeras conclusões. Por um lado, parecia-lhe difícil obter uma ideia pertinente de um caso de neurose sem tê-lo submetido a uma análise aprofundada, mas acrescentava, por outro lado, que antes de estar apto a aprender o caso em detalhe era necessário estabelecer um diagnóstico para orientação do tratamento. (DOR, 1991, p.13)

O autor supracitado nos aponta para uma ambigüidade em torno da problemática do diagnóstico no campo da clínica psicanalítica e afirma que, sem certo tempo de análise, é complexo determinar com segurança uma avaliação diagnóstica, mas que é necessário se obter uma para permear e orientar quanto ao caminho. A ideia que o autor traz é que podemos investigar o diagnóstico através da associação livre. Dor (1991, p.14): “Freud sublima a importância do discurso livre, logo nas entrevistas preliminares. A única técnica de investigação de que o analista dispõe é a sua escuta. É no dizer que algo se estrutura”.

Diante de uma interpretação psicanalítica não se pode construir uma conclusão lógica de um diagnóstico, somente pela fala podemos saber qual é o lugar de fantasia do sujeito e sua história.

Ora, como sabemos, esse espaço de palavra está saturado de “mentira” e tem o imaginário como parasita. De fato, é o lugar onde vem se exprimir o desdobramento fantasmático; é também aquele que o sujeito da testemunho da sua própria cegueira, já que não sabe o que realmente o que diz através do que enuncia, do ponto de vista da verdade do seu desejo, do ponto de vista, então, daquilo que subentende o sintoma em seu trans vesti mento. (DOR, 1991 p. 14)

Desta forma o sujeito não sabe o que diz sobre o seu desejo, no que se refere ao seu sintoma, sua avaliação é subjetiva, pois o discurso é seu, mas conta com o apoio da subjetividade do analista. Para Dor (1991, p. 22) cada sujeito tem um determinismo próprio que traz no nível dos processos psíquicos, ou seja, a causalidade psíquica. O autor também nos traz que o corpo tem um dispositivo próprio, chamado de determinismo orgânico, e que quanto mais estudamos conseguimos obter um maior número de relação entre causa e efeito.

A especificidade da estrutura de um sujeito se caracteriza, antes de mais nada, por um perfil predeterminado da economia do seu desejo, que é governada por uma trajetória estereotipada. São semelhantes trajetórias, estabilizadas, que chamarei, por assim dizer de traços estruturais, chamadas de diagnósticos estruturais, aparecem como indivíduos codificados pelos traços da estrutura que são, eles próprios, testemunhas da economia do desejo. (DOR, 1991 p.22)

Diante disso, o autor mostra a necessidade de separar sintoma de traços estruturais. Dor (1991, p.22) afirma que o sintoma, como formação do inconsciente, se constitui por sucessivas camadas de significantes e que esses componentes constitutivos, mantêm-se subordinados a uma “fantasia” do inconsciente. Dor (1991, p.22). Neste sentido, ressalta: “Quando o sujeito hesita na escolha dos significantes, existe uma determinação irrefreável, que é uma característica do funcionamento da estrutura, levando a gestão do desejo”.

Campos (2004 p. 1) aponta que com o advindo do capitalismo vieram novos papéis da mulher no mundo atual enquanto força de trabalho e sustento da família, havendo assim um declínio da função paterna nas configurações familiares. Iremos introduzir o artigo “A Mulher que Sabia Demais” para pensar na clínica atual e seus desafios, principalmente na direção do tratamento. Hoje podemos relacionar neurose obsessiva feminina com o novo papel da mulher na contemporaneidade. A autora nos aponta para a relação do social na clínica: “O tema da intercessão do social na clínica é, em si, extremamente instigante, e dá o que pensar esse aumento de mulheres obsessivas nos dias de hoje”. (Campos, 2004, p.1).

Pensando na neurose obsessiva feminina e suas características, a autora apresenta que o recalcamento, a representação inconsciente inconciliável deixa um resto de angústia que vai para o pensamento, quanto à histeria: “Na histeria a representação inconsciente incompatível e eficazmente recalcada e, por intermédio da metáfora sintomática própria do processo psíquico de condensação, faz a conversão para o corpo. Em vez de angustiar a histeria adoece”. (Campos, 2004, p.1).

Neste sentido, a angústia do obsessivo é a constatação do desejo no Outro, que emerge na sua forma pura: a voz que acusa. Ele se esforça para recalcar esse desejo reduzindo-o à demanda do Outro. O obsessivo é tomado pela dúvida, no impasse das escolhas, matando o desejo, mantendo-se fixado gozosamente em questões com a vida e morte, luta e prestigio e o de ganhar sempre.

Acrescenta Campos (2004, p.2) que compreender as demandas encontradas na clínica atual possibilita um novo caminho. Na clínica a obsessiva aparece fixada em valores fálicos, de encobrimento imaginário, onde se posiciona de uma forma que atribui valores como saber demais e de poder, porém mesmo usando o seu “falicismo”, sabe que não o tem, sendo assim ressalta sua posição de exceção.

O artigo “O corpo na neurose obsessiva” visa delinear o lugar do corpo, a partir de sua especificidade em relação à histeria. O Obsessivo se opõe ao histérico em relação ao corpo, ou seja, enquanto na histeria ocorre à entrega do corpo, a obsessiva tenta manter o seu corpo inibido, silenciado e mortificado em relação a tudo que faça referência sexual, tornando o corpo como: “uma armadura limpa e inviolável que o trai quando ele menos espera”. (Bastos & Nogueira, 2012, p. 116).

Os sintomas mais frequentes na neurose obsessiva abrangem a esfera do cogito, ou seja, a racionalização, dúvidas, dilemas, contradições, que jogam a todo tempo com as representações e afetos. Além disso, outras questões manifestam-se no sujeito, sendo elas, a busca pelo controle, verificação de atividades, as hesitações.

Nesse sentido, ressaltamos na clínica da neurose obsessiva a presença de impotências, compulsões sexuais, rituais de lavagem, hipocondria, frigidez, dores de cabeça indecifráveis, problemas intestinais. O corpo é o campo onde a sexualidade é vivida, onde o desejo se expressa e, sobretudo, onde a angústia é referida. De tal forma, as dificuldades que o sujeito traz em relação a esses pontos necessariamente se expressam ali. Resta saber de que maneiras essas dificuldades tomam o corpo e se teriam sempre a mesma função. (BASTOS & NOGUEIRA, 2012, p.117).

Bastos & Nogueira esclarecem que o sujeito obsessivo possui o horror à castração, ambivalência na relação transferencial, relação sintomática do sujeito com o tempo e defesa perante a morte. O objeto de desejo do indivíduo só se torna possível quando se encontra no impossível, e o Outro, é marcado pela falha, a qual o mesmo busca preencher.

Acrescentam ainda Bastos & Nogueira (2012, p.117) que o fato da mulher obsessiva não possuir um significante que defina o que é ser mulher, possibilita que ela seja menos enganada pelo falo, encobrindo o furo no outro. Essas mulheres encontram-se mais propensas ao deslizante metonímico, apresentando à busca de um corpo, possibilitando à submissão as compulsões. Ribeiro (2001) nos fala que as drogas são utilizadas como uma forma de encontrar um alívio que nunca chega, ocupando o lugar de um objeto a mais que atue no que está fora do lugar, no que não funciona bem.

Nas queixas encontra-se a frigidez, como uma inibição do ato sexual, encontrando nele a satisfação. Lacan (1958/1998, p. 740) diz que a frigidez não é um sintoma, ainda que tenha toda a estrutura inconsciente que determina a neurose. Ela é uma defesa em face do gozo. A mulher se fixa na máscara fálica, não se colocando na posição de objeto. Isso é verificado no discurso que traz sobre o receio de perder o controle no ato sexual e a equiparação da sensação do orgasmo com a de que o corpo estaria se desfazendo. Outro ponto é a privação sexual, onde ocorre a evitação do desejo, esperando pela iniciativa do outro.

Freud (1921-1996) destaca que o medo da morte e da vida são expressões do supereu, que proíbe e impõe limites ao sujeito, de maneira severa e conflituosa. As exigências do supereu aparecem em diversos cenários do neurótico obsessivo, no qual os efeitos surgem nas tarefas desgastantes, no sentimento de culpa, nos fracassos mantidos, nos adoecimentos, nas compulsões e nas buscas de um gozo a mais. (Lacan, 1957-1958/1999, p. 430).

Bastos & Nogueira (2012, p. 118) nos conduzem para uma proximidade entre obsessão e histeria. Sendo justificada por uma cena sexual experimentada de forma passiva, na qual como ocorre na histeria, onde teria antecipado uma ação prazerosa que caracteriza a neurose obsessiva.

Na neurose o sujeito poderá inibir, recalcar, angustiar ou produzir sintoma perante o desejo (Freud, 1926). Acredita-se que a inibição, o sintoma e a angústia estão ligados à estrutura do ser falante e sua relação com o outro, na qual o corpo surge como uma estratégia para encontrar uma saída a respeito do seu desejo, porém, a neurose faz do corpo uma armadilha, onde o desejo (histeria) é um corpo dominado e esvaziado de gozo (obsessivo). Sobre o obsessivo se deparar com o desejo Bastos & Nogueira consideram:

Ao se deparar com o desejo, o neurótico obsessivo pode experimentar a angústia de forma avassaladora. Enquanto não faz um sintoma, nomeando e dando um formato à mesma, o sujeito dá corpo à angústia no aperto na garganta, na perda da voz, nos arranhões, na necessidade de extrair alguma parte do corpo, na ausência ou no excesso de fome, na agitação, na diarréia, no vômito, nas crises de suor, na insônia. A constante vigilância no obsessivo se apresenta na dificuldade para dormir. A vigilância é um esforço enraizado em seu ser. (BASTOS & NOGUEIRA, 2012, p. 119).

O artigo nos mostra que a inibição surge como uma maneira de evitar a angústia, sendo necessário antecipar o perigo. O sintoma implica no recalque para proteger o indivíduo da angústia, substituindo o significante, atribuindo um efeito metafórico. É uma representação simbólica que permite a interpretação e o deciframento. Desta maneira, evita-se o surgimento da angústia e consequentemente um novo recalque. A inibição ocorre, então, como uma medida de precaução utilizando-se de diversos procedimentos para perturbar uma função.

O afastamento da libido; a piora no exercício da função; a dificuldade mediante condições particulares e a modificação da função através do desvio para outros alvos; a prevenção mediante medidas de segurança; a interrupção mediante o desenvolvimento de angústia; uma reação de protesto, que tenta desfazer o acontecimento, ainda que a função tenha sido executada. (FREUD, (1925-1926, p. 2).

Após destacar sobre inibição, é importante compreender a relação entre: o eu e o corpo. Bastos & Nogueira (2012, p.122) nos afirmam que o “eu sou” é a sede da angústia, na qual a inibição se manifesta e o “eu posso” subtrai-se da angústia por uma evitação, um sintoma ou uma inibição, intervindo assim na manifestação sexual. O retorno do recalcado é o sintoma e a inibição que aparecem quando o desejo se manifesta.

No inconsciente da obsessiva impera a imortalidade, onde a morte é “o grande desconhecido”. Bastos & Nogueira (2012, p.123): “A morte, inaugurada pela morte da coisa com a entrada do sujeito na linguagem, permite o exercício do desejo, possibilitando a movimentação do sujeito na vida não apenas como ser-para-a-morte, mas como ser-para-o-sexo”. Não há como passar pelo processo de tratamento sem se arriscar ao luto e as questões relacionadas ao valor da vida.

Bastos & Nogueira (2012, p.122) afirmam que o horror à morte está ligado às inconsistências da vida, ao enfrentamento do luto. A questão é o que fazer perante as especificidades trazidas pelo sujeito sobre esse corpo que se faz presente? A psicanálise visa justamente dar lugar ao real, onde não há controle ou dominação, ou seja, (Lacan, 1972/2003, p. 479) que o sujeito consiga se posicionar frente ao seu desejo, o que deve trazer consequências em sua forma de lidar com o corpo.

Após abordar algumas peculiaridades da neurose obsessiva, descobri que não se trata de construir um saber-fazer com o corpo que domine sua natureza pulsional e que caberá ao sujeito (obsessivo) inventar, quando possível, uma outra saída que não apenas a inibição, o sintoma obsessivo e a angústia, um caminho que alie sua dimensão de ser-para-a-morte à de ser-para-o-sexo, erotizando e animando a vida pela sustentação do desejo.

Referências

COPPUS, Alinne Nogueira; BASTOS, Angélica. O corpo na neurose obsessiva. Psicologia Clinica, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 115-125, Dec. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pc/v24n2/v24n2a09.pdf. Acesso: 01 out. 2019.

DOR, Joël.Estruturas e clínica psicanalítica. Trad. Jorge Bastos e André Telles. Rio de Janeiro: Taurus-Timbre, 1991.

FREUD, Sigmund. Psicologia das Massas e Análise do Ego. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Ed: Imago, Rio de Janeiro. Vol. XVIII, 1996

LACAN, Jacques. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor (Seminário de 1957-1958), 1999.

RIBEIRO, M.A. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

SANTORO, Vanessa Campos. A Mulher que sabia demais. Cogito, Salvador , v. 6, p. 85-87, 2004 Disponível:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-94792004000100020 Acesso: 01 out. 2019.