Resenha: As 4+1 Condições da Análise
Ao abordar as dificuldades e dúvidas sobre o início da análise, o autor revê os fundamentos práticos dos primeiros passos do processo.
PSICANÁLISE
Ellen Andreuccetti
9/3/20238 min read
RESENHA DO LIVRO: AS 4 + 1 CONDIÇÕES DA ANÁLISE
Resenha do livro: As 4+1 Condições da Análise, primeiro parágrafo: “As entrevistas preliminares” (12. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009) de Antonio Quinet.
Sobre o autor: Antonio Quinet é psicanalista, psiquiatra, doutor em filosofia pela Universidade de Paris VIII e dramaturgo, teve diversos livros publicados.
Resenha
Ao abordar as dificuldades e dúvidas sobre o inicio da análise, o autor revê os fundamentos práticos e teóricos dos primeiros passos do processo: as entrevistas preliminares. Ao iniciar o tratamento, Freud nos diz ter o hábito de praticar o que chama de tratamento de ensaio, anterior á análise, com duração de uma ou duas semanas. Em seu texto “O início do tratamento”, nos diz ser necessário evitar a interpretação da análise após certo tempo e que a função do tratamento de ensaio é a de estabelecer o diagnóstico diferencial entre neurose e psicose. Para isso acontecer precisamos unir o paciente ao seu tratamento e á pessoa do analista. Para Lacan tratamento de ensaio corresponde como entrevistas preliminares, sendo ele um tempo de trabalho prévio, um corte em relação ao que era anterior e preliminar, sendo necessário para entrar em análise. Para Freud “o ensaio preliminar” é ele próprio o início de uma análise, onde a questão diagnóstica está em jogo. Em um primeiro momento a associação livre mantém a identificação das entrevistas com a análise (EP=A). No segundo momento esse tempo de diagnóstico faz com que se distingam entrevistas preliminares da análise (EP#A). Esses dois momentos servem para compreender e concluir, no qual o analista toma sua decisão se irá ou não aceitar determinada de análise. Ao indicar o divã para o analisante implica em um corte, que é a manifestação do analista que ele o aceitou em análise. São três as funções das entrevistas preliminares: função sintomal, a função diagnóstica e a função transferencial.
O sujeito ao chegar ao consultório com sua demanda, inalterada, não se deve ser aceita, mas sim questionada. Para Lacan só há uma demanda verdadeira para se dar início a uma análise, a de se desvencilhar de um sintoma. O que está em jogo nas entrevistas preliminares não é se o sujeito é analisável, mas sim o seu sintoma, sendo que esse não é um atributo ou avaliativo deste, como que seria próprio. Transformando o sintoma do qual o sujeito se queixa em sintoma analítico. É preciso que essa queixa se transforme em demanda endereçada àquele analista e que o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, para que este seja instigado a decifrá-lo. Nesse trabalho preliminar, o sintoma será questionado pelo analista, que procurará saber o que esse sintoma está respondendo, que gozo esse sintoma vem delimitar. Em termos freudianos: o que fez fracassar o recalque e surgir o retorno do recalcado para que fosse constituído o sintoma.
Quando um paciente se apresenta ao analista com uma idéia obsessiva que o faz sofrer, é preciso que esse sintoma, que é um significado para o sujeito readquira sua dimensão de significante, provocando o sujeito e o desejo. O desejo é função do analista fazer surgir na dimensão do sintomal, sendo que o sintoma aparece como significado do Outro e é direcionado pela cadeia de significantes ao analista, que se encontra no lugar do outro. Cabe ao analista transformar esse sintoma na questão que Lacan denomina “Que queres¿” (Che vuoi) questão chamada de desejo. Ao apresentar um sintoma já estabelecido para o analista, ele seria elevado ao estatuto de enigma para o sintoma em seguida desaparecer e se deslocar para outro tipo de sintoma, a depressão.
A formação do sintoma analítico é ligada ao firmar da transferência que faz vir à tona o sujeito suposto saber. Quando o sintoma se transforma em enigma é um momento de histerização, já que o sintoma representa aí a divisão do sujeito ($). Ao transformar o sintoma em questão, ele aparece como a própria expressão da divisão do sujeito, encontrando o endereço certo que é o analista, se torna assim o sintoma analítico. Lacan diz: “o analista completa o sintoma”, que corresponde ao discurso da histérica. O sujeito, com esse sintoma, se dirige ao analista com uma pergunta – O que isto quer dizer¿ O que significa isso¿ Supondo que o analista saiba alguma verdade de seu sintoma, o sujeito histérico encosta o mestre (S1) contra a parede para que o mestre produza um saber (S2), mas o analista não sabe de nada devido a sua impotência do saber em dar conta da verdade do gozo (a). Nas entrevistas preliminares trata-se de provocar a histerização do sujeito.
O diagnóstico só faz sentido se servir de bússola para a condução da análise, sua busca no registro do simbólico nos mostra os três modos de negação do Édipo, negação da castração no Outro, correspondentes às três estruturas clinicas:
Estrutura clínica Forma de negação Local de retorno Fenômeno
Neurose Recalque Simbólico Sintoma
Perversão Desmentido Simbólico Fetiche
Psicose Foraclusão Real Alucinação
O diagnóstico estrutural se apresenta na clínica como no caso da neurose, o neurótico não se recorda do que aconteceu em sua infância, amnésia infantil, sendo que a estrutura edipiana está presente no sintoma. No caso do Homem dos Ratos, formulada a frase: “se eu vejo uma mulher nua, meu pai deve morrer”. O recalque da representação do desejo da morte do pai retorna no simbólico sob a forma de sintoma: a ideia obsessiva, expressa nessa frase, denota sua estrutura edípica, ou seja, a proibição, conectada ao pai, de ver uma mulher nua. O sintoma dá acesso à organização simbólica que representa o sujeito. Na perversão há admissão da castração no simbólico e juntamente uma recusa, um desmentido, ocorre em função do sexo feminino: por um lado, há inscrição da ausência de pênis na mulher, portanto da diferença sexual; por outro, essa inscrição é desmentida. O retorno desse tipo de negação particular do perverso é cristalizado no fetiche. Na psicose, o significante retorna no real, apontando a relação de exterioridade do sujeito com o significante nos distúrbios de linguagem constatáveis por qualquer clínico que se vê diante de um psicótico, sendo que seu paradigma são as vozes alucinadas. Encontram-se também intuições delirantes, nas quais o sujeito atribuiu uma significação enigmática a um determinado evento sem conseguir explicar, automatismo mental.
A dúvida é característica do neurótico porque mostra uma divisão do sujeito, onde há um sim e um não. Na psicose a certeza delirante já mostra um distúrbio na linguagem. Há também a foraclusão do Nome-do-Pai, indicando assim a “zerificação” do significante fálico, tendo como efeito a impossibilidade de o sujeito se situar na divisão dos sexos como homem ou mulher, efeito que poderá manifestar-se em uma série de ocorrências, que vão da vivência de castração à transformação em mulher. Caso o sujeito seja psicótico o analista precisa saber, pois a condução da análise não poderá ter como referência o nome-do-pai e a castração, nos indicando a importância de detectar a estrutura clinica do sujeito nas entrevistas preliminares. O único tipo clinico transmissível ao nível de uma conceituação formal é a histeria. Nas entrevistas preliminares, é importante direcionar a análise para extrapolar o plano das estruturas clínicas (psicose, neurose, perversão) para se chegar ao plano dos tipos clínicos (histeria-obsessão).
O diagnóstico deve estar ligado a base da estratégia do analista na direção da análise se refere a transferência. Ao ser convocado a ocupar na transferência o lugar do Outro do sujeito a quem são dirigidas suas demandas, é importante perceber nesse trabalho prévio a modalidade da relação do sujeito com o Outro. No caso do obsessivo um Outro detentor do gozo, que impede seu acesso ao sujeito; um Outro que nada falta e que não deve desejar – o obsessivo anula o desejo do Outro, sendo nesse lugar do Outro que ele se instala, marcando seu desejo pela impossibilidade. Trata-se de um Outro que comanda, faz a lei e o vigia sempre. Ao situar o Outro como mestre e senhor, o obsessivo fica na posição de escravo, trabalhando e se esforçando em enganar o senhor pela demonstração de boas intenções, se tapeando ao acreditar que é “seu trabalho que lhe darão acesso ao gozo”. Na clinica do obsessivo sempre aparece dois significantes: o pai e a morte, indicando a articulação da lei com o assassinato do pai na constituição da dívida simbólica.
Para a histérica, o Outro é o Outro do desejo, marcado pela falta e pela impotência em alcançar o gozo. A histérica dispõe ao Outro o lugar dominante: na cena de solução de sua fantasia, em que figura o encontro com o sexo, ela não está presente como sujeito, mas como objeto: “não fui eu, foi o Outro”. Ela não deve nada é o Outro que deve, o Outro não tem o falo. Se ela também não tem assumi a função de faz–de–conta de ser o falo. Ela não é escrava; ela desmascara a função do senhor fazendo greve, mas está sempre a procura de um mestre: inventa um, não para se submeter a ele, mas para reinar, apontando as falhas de sua dominação e mestria, estimula o desejo do Outro e dele se furta como o objeto, é o que confere a marca a insatisfação a seu desejo. Freud nos sugere que o gozo sexual da histérica é de menos prazer e no obsessivo de mais prazer.
O surgimento do sujeito sob transferência é o que dá sinal da entrada em análise, e esse sujeito é vinculado ao saber. Quando Anna O. pede para Freud se calar para ela há um saber, que está presente no seu próprio discurso. Quando um sujeito vai procurar um analista ele supõe que existe um saber em jogo no sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar, sendo chamada de pré- interpretação. A análise só se inicia após a transferência, ela não pode ser direcionada pelo analista, portanto não é uma função do analista, mas do analisante. O saber do analista é saber usá-la. Na verdade trata-se de uma ilusão o sujeito achar que sua verdade está no analista e que este já a conhece, esse erro dá à entrada em análise. Não pode o analista se identificar com essa posição do saber, e nem de compreender o analisante, ele precisa saber é que a comunicação é baseada no mal-entendido. O analista precisa ocupar o lugar de ignorância.
O amor mostra o efeito que o sujeito suposto saber estabelece, quando surge o amor a demanda se transforma, que antes era demanda transitiva (livrar-se de seu sintoma) torna-se uma demanda intransitiva (demanda de amor). Seria o amor o efeito da transferência. Lacan: o “amor que se dirige ao saber”, contudo sua finalidade, como a de todo amor, não é o saber e sim o objeto causa do desejo, esse objeto (o objeto a) é o que confere a transferência como colocação em ato da realidade sexual do inconsciente. Sendo a transferência como repetição em que os significantes da demanda são endereçadas ao Outro do amor em que é colocado o analista, vem contrapor-se a transferência como um encontro da ordem do real do sexo. É o objeto a que, ao vir obturar a falta constitutiva do desejo. A demanda dirigida ao analista em posição de sujeito suposto saber apresenta-se como demanda de transferência de saber. O estabelecimento da transferência no registro do saber através de sua suposição e correlato à delegação àquele que é seu alvo de um bem precioso que causa o desejo causando a transferência.
A retificação subjetiva promove a responsabilidade do sujeito frente à sua escolha da neurose, introduzindo-o assim na dimensão da ética, sendo que a ética da psicanálise é a ética do desejo, como resposta a patologia do ato que a neurose tenta solucionar fazendo a desaparecer. A retificação subjetiva de Freud consiste em perguntar “qual é a sua participação na desordem da qual você se queixa? Nos dois modos de neurose é necessário introduzir o sujeito sua responsabilidade na escolha da neurose e em sua submissão ao desejo como desejo do Outro.
Referências: